POR BRIAN GUTIERREZ
PUBLICADO 21 DE JUL. DE 2021 13:15 BRT
Os resultados do teste Starfish Prime, de 1962, servem como um aviso do que pode acontecer se o campo magnético da Terra for atingido novamente com altas quantidades de radiação.
Estava totalmente escuro quando o pai de Greg Spriggs levou sua família ao ponto mais alto do Atol de Midway em 8 de julho de 1962. Naquela mesma noite, em outro atol a uma distância de 1,6 mil quilômetro, o exército dos Estados Unidos havia planejado lançar um foguete ao espaço a fim de testar uma bomba de fusão.
“Ele estava tentando encontrar a direção para a qual olhar”, relembra Spriggs. “Meu pai achava que haveria uma pequena oscilação, então queria ter certeza de que todos conseguiriam ver.”
Espectadores também haviam organizado “festas para observar a bomba” no Havaí, enquanto a contagem regressiva era transmitida por rádio de ondas curtas. Fotógrafos apontaram suas lentes para o horizonte enquanto debatiam sobre as melhores configurações de câmeras para capturar uma explosão termonuclear no espaço sideral.
O que aconteceu foi que a explosão — uma bomba de 1,4 megatons, 500 vezes mais poderosa do que a que caiu em Hiroshima — não foi sutil.
“Quando aquela arma nuclear detonou, o céu inteiro se iluminou em todas as direções. Parecia meio-dia”, relata Spriggs. A Starfish Prime explodiu a uma altitude de 400 quilômetros, mais ou menos a altura em que a Estação Espacial Internacional orbita atualmente. Por cerca de 15 minutos após a explosão inicial, partículas carregadas da detonação colidiram com moléculas na atmosfera da Terra, criando uma aurora artificial que pôde ser vista até mesmo na Nova Zelândia.
“Parecia que os céus haviam expelido um novo sol que brilhou brevemente, mas por tempo suficiente para incendiá-los”, de acordo com um relato no jornal Hilo Tribune-Herald. Um pulso eletromagnético que acompanhou a explosão desligou as estações de rádio, disparou uma sirene de emergência e fez com que as luzes dos postes se apagassem no Havaí.
No ano seguinte, os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética assinaram o Tratado de Proibição Parcial de Testes Nucleares, e o espaço sideral está livre de bombas-H por quase 60 anos. Mas os resultados do teste da Starfish Prime servem como um aviso do que pode acontecer caso o campo magnético da Terra seja atingido novamente com altas quantidades de radiação, seja por outra arma nuclear ou por fontes naturais como o sol.
Aquele dia ficou marcado na memória de Spriggs, que agora é cientista de armas no Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, onde trabalha preservando e analisando imagens de arquivo de testes nucleares. “Eu disse a meu pai anos depois que, se eu soubesse que me tornaria físico de armas nucleares, teria prestado mais atenção”, conta.
A Guerra Fria esquenta
Um ano antes, em 1961, as negociações internacionais para proibição de testes nucleares haviam recuado. Após três anos sem testes, a União Soviética e os Estados Unidos romperam com a suspensão voluntária, e os soviéticos conduziram 31 explosões experimentais, incluindo a Bomba Tsar, a maior bomba nuclear já detonada. A detonação ocorreu em outubro de 1961, cerca de quatro mil metros acima de uma ilha no Círculo Polar Ártico.
A corrida espacial estava dando seus primeiros passos na época, e os militares norte-americanos não hesitavam em enviar quase qualquer coisa para o espaço. O Departamento de Defesa estava desenvolvendo um projeto individual para colocar 500 milhões de agulhas de cobre em órbita a fim de tentar refletir ondas de rádio e ajudar nas comunicações de longa distância. Havia até um plano para detonar uma explosão nuclear na lua, mas que acabou fracassando.
Cientistas e militares queriam saber o que aconteceria se uma explosão nuclear ocorresse no espaço, especialmente como ela poderia interagir com a magnetosfera da Terra. Apenas dois anos antes, o primeiro satélite norte-americano, o Explorer 1, descobriu acidentalmente que a Terra é cercada por anéis de intensa radiação que são mantidos em seus devidos lugares pelo campo magnético do planeta. Eles foram posteriormente chamados de cinturões de Van Allen, em homenagem a James Van Allen, o cientista da Universidade de Iowa que os descobriu.
“Van Allen disse quando descobriu os cinturões de radiação que o espaço não é vazio, o espaço é radioativo”, afirma David Sibeck, cientista da missão de sondas espaciais Van Allen, da Nasa. “A descoberta de Van Allen foi preocupante porque afirmava que qualquer futura espaçonave ou astronauta que enviássemos estaria exposto a essa radiação. E isso foi um choque naquela época.”
Antes do teste, os cientistas achavam que o impacto da Starfish Prime nos cinturões de radiação da Terra seria mínimo. Em uma coletiva de imprensa em maio de 1962, o presidente John F. Kennedy disse aos repórteres, em tom irônico: “Eu sei que existem preocupações sobre o cinturão de Van Allen, mas o próprio Van Allen afirma que a detonação não irá afetar o cinturão.”
Mas Van Allen estava errado.
Decolagem nuclear
Após quatro dias de adiamento, na espera por um clima favorável, a Starfish Prime foi lançada na ponta do foguete Thor, a partir do Atol de Johnston, uma ilha localizada a cerca de 1,3 mil quilômetro a sudoeste do Havaí. Os militares também enviaram 27 mísseis menores carregados com instrumentos científicos para medir seus efeitos. Aviões e barcos se posicionaram para registrar o teste de todas as maneiras possíveis. Sinalizadores foram disparados a fim de distrair aves locais do clarão cegante que estava por vir.
De acordo com Spriggs, os cientistas já sabiam que uma explosão nuclear no espaço se comporta de maneira muito diferente de uma no solo. Não há nuvem em forma de cogumelo, nem um clarão duplo. As pessoas no solo não sentem uma onda de choque nem ouvem nenhum som. Há apenas uma bola brilhante de plasma, que parece mudar de cor conforme as partículas carregadas da explosão são empurradas para a atmosfera pelo campo magnético da Terra. Esse efeito gera auroras artificiais coloridas e é por isso que essas armas nucleares de alta altitude às vezes eram chamadas de “bombas arco-íris”.
À medida que o campo magnético da Terra captou a radiação ionizada do teste Starfish Prime, criou-se um novo cinturão de radiação artificial que era mais forte e mais duradouro do que os cientistas haviam previsto. Esse inesperado “cinturão Starfish”, que durou pelo menos dez anos, destruiu o Telstar-1, o primeiro satélite a transmitir um sinal de televisão ao vivo, e o Ariel-1, o primeiro satélite da Grã-Bretanha.
“Foi uma surpresa descobrir o quanto era ruim, quanto tempo durou e como foi prejudicial para os satélites que sobrevoavam por aquela área e pararam de funcionar”, afirma Sibeck.
Precipitação nuclear
Ainda assim, o teste revelou algumas informações importantes sobre a radiação ao redor da Terra. A bomba liberou um rastreador especial de isótopos chamado cádmio-190. Seu propósito original era rastrear a precipitação do teste, mas ele também se tornou um recurso valioso para a compreensão dos padrões climáticos na alta atmosfera.
O teste também ajudou os Estados Unidos a entender como detectar detonações nucleares no espaço e construir um sistema, mais tarde denominado Vela Hotel, para monitorar testes de outros países. Esses avanços ajudaram a tornar mais realista um tratado para banir as armas nucleares no espaço.
Mas existem outras fontes potentes de radiação no espaço sideral. Segundo Sibeck, há uma chance muito pequena de que uma explosão solar no momento certo possa atingir o planeta com uma quantidade semelhante de radiação.
“Teria que ser maior do que a maioria das explosões que já vimos em nossas vidas ou durante a era espacial”, explica ele. “Mas já houve tempestades [geomagnéticas] dessa magnitude, e sabemos que aconteceram porque há relatos de pessoas que viram auroras em latitudes médias ou até mais baixas no início da civilização tecnológica.”
A maior tempestade geomagnética já registrada, chamada de Evento Carrington, atingiu a Terra em 1859. Ela produziu auroras na Austrália e provocou choques elétricos em operadores de telégrafo nos Estados Unidos. Se uma tempestade semelhante ocorresse hoje, as consequências seriam muito mais sérias do que linhas de telégrafo derrubadas.
“Há muito mais coisas que dependem de eletricidade e chips de computador do que em 1962. Coisas que temos em casa, em nossos carros, comunicações. Seria muito pior”, afirma Sibeck.
No improvável caso de outra bomba nuclear explodir no espaço, Geoff Reeves, pesquisador do Laboratório Nacional de Los Alamos, no Novo México, está trabalhando para desenvolver uma maneira rápida de se livrar dos cinturões de radiação produzidos a partir de explosões nucleares. Em seu projeto, um transmissor montado em um satélite atinge a radiação capturada com ondas de rádio AM especializadas, que empurram as partículas carregadas para baixo na atmosfera, onde seriam absorvidas sem causar danos.
“Enfim, se hoje houvesse um cinturão Starfish e a tecnologia adequada no espaço, poderíamos nos livrar dele em algumas semanas”, afirma Reeves.